O topo da cadeia alimentar

A ignorância frente ao veganismo.

Revista Betim Cultural
9 min readJan 25, 2018

Não estamos no topo da cadeia alimentar

Um estudo publicado em 2013 na PNA (Proceedings of the National Academy of Sciences) concluiu que seres humanos ocupam o mesmo nível das anchovas e dos porcos na escala da cadeia alimentar. Os pesquisadores se basearam em informações colhidas pela ONU sobre a alimentação e a agropecuária, envolvendo 176 países, dentre os anos 1961 e 2009. Com base nesses dados, os cientistas determinaram, em uma escala de 1 a 5, o nível das espécies na cadeia alimentar; no qual 1 representa um produtor primário e 5 um predador de fato no topo da cadeia. As plantas atingem a escala 1, humanos 2,21 e crocodilos 5. Concluindo, não estamos no topo da cadeia alimentar… E mesmo se tal falácia fosse verdadeira, ainda assim não seríamos obrigados a comer carne. Como sempre, mesmo se os cenários das desculpas carnistas fossem verdadeiros isso ainda favoreceria a adoção do veganismo.

Retirado do site O holocausto animal.
A publicação da pesquisa pode ser acessada aqui.
Conclusão publicada por Gerador de desculpas carnistas.

MATÉRIA Nº2

Fonte: Your Vegan Fallacy Is

Falácia: “Seres humanos estão no ápice da cadeia alimentar e, assim como qualquer outro ser na natureza, nós matamos e comemos os animais que estão abaixo na cadeia”.

Resposta: Os termos “cadeia alimentar”e “rede alimentar” referem-se a um sistema natural ecológico pelo qual produtores em um habitat específico são comidos por consumidores no mesmo habitat. O termo “círculo da vida” não possui absolutamente nenhum significado em termos científicos. Em nenhum dos casos os termos fazem referência ao uso de animais para consumo humano, uma vez que humanos não existem como consumidores em um ecossistema onde gado, porcos, cachorros, peixes e outros animais são produtores.

O único propósito dos termos “cadeia alimentar” e “círculo da vida” no contexto de escolha de alimentação humana é o de legitimizar o abate de indivíduos sencientes ao promover a ideia de que o abate é uma natural e necessária parte da vida humana. Sob este aspecto, a justificativa do “predador top” para comer animar é falha em duas frentes: primeiro, os próprios termos não se aplicam à relação ecológica que temos com os animais ou sequer mesmo possuem sentido; segundo, nós não precisamos comer animais para sobreviver, logo o imperativo moral por trás do “manda quem pode” não é eticamente defensável. Por analogia, um ladrão de banco então poderia declarar estar no topo da cadeia corporativa por ter agido com base em sua habilidade de tomar aquilo que pertencia a outros.

MATÉRIA Nº3

Fonte: Veganagente por Robson Fernando de Souza.

Saiba a verdade sobre o argumento da “cadeia alimentar” usado como justificativa para comer carne.

Exemplo de antivegano que usa o argumento da “cadeia alimentar” para justificar seu consumo de carne

Um argumento é utilizado há décadas por muitos que tentam justificar não serem veganos ou vegetarianos: o de que o ser humano “precisa” comer carne por ser “o topo da cadeia alimentar”.

Mas esse argumento faz sentido mesmo? Existe realmente uma cadeia alimentar natural e inescapável que obriga os seres humanos a comer carne e lhes dá o título de “majestade do reino animal”?

Convido você a saber a resposta neste artigo, que fará você pensar na realidade sobre a alimentação humana e na escolha que essa crença acaba escondendo de você.

O que é, realmente, uma cadeia alimentar?

Fonte: EBM Pe. João Alfredo Rohr

Antes de saber se o apelo à cadeia alimentar faz sentido como justificativa de se comer carne, gostaria que você pensasse: você sabe mesmo o que é uma cadeia alimentar?

Caso descubra não saber, ou ter uma ideia mais vaga do que imaginava do que ela se trata, então apresento a você o conceito de cadeia alimentar, segundo Yara Laiz Souza, no Info Escola:

“Os organismos na natureza precisam obter energia de diversas formas. A cadeia alimentar é uma sequência que liga organismos através das relações de alimentação. Essa cadeia é formada por produtores, consumidores e decompositores.”

É comum que a cadeia alimentar seja imaginada e desenhada como se fosse uma hierarquia, preenchida da base ao topo por uma sequência com:

  1. O ser vivo produtor: uma planta, que produz o próprio alimento, por meio da fotossíntese e da absorção de nutrientes do solo;
  2. O consumidor primário: um animal que come essa planta, podendo ser um herbívoro ou um onívoro;
  3. O consumidor secundário: um animal que caça e come o consumidor primário, podendo ser um onívoro ou um carnívoro;
  4. O consumidor terciário: um animal que caça e come o consumidor secundário, geralmente um carnívoro posto no topo dos desenhos mais tradicionais;
  5. E, finalmente, os decompositores: fungos, bactérias e protozoários que decompõem e consomem o cadáver de todos os produtores e decompositores, sintetizam e lançam no solo os nutrientes que serão absorvidos pelas plantas.

Ou seja, mesmo que costume ser desenhada como uma hierarquia “governada” pelo consumidor terciário, a cadeia alimentar é representada de maneira mais fiel por um ciclo, sem início nem fim.

Quem criou a cadeia alimentar que você defende como “natural”?

Cada um desses alimentos ou produtos animais pertence a uma cadeia alimentar diferente. Ou seja, o ser humano pertence a milhares ou mesmo milhões de cadeias alimentares possíveis

Muitos se perguntam: a qual cadeia alimentar pertencemos?

A resposta é muito mais complexa do que se imagina. Afinal, nós estamos em milhares de cadeias alimentares diferentes, já que a alimentação humana se aproveita de milhares de vegetais distintos e animais de centenas de espécies ao redor do mundo.

E o mais perturbador desse fato é que todas elas foram criadas e são administradas pelos próprios seres humanos, por meio da agricultura, da pecuária, da caça, da pesca e da coleta. Nesse contexto, mesmo as cadeias alimentares mais primitivas, de algumas centenas de milhares de anos atrás, foram determinadas pela escolha de quais espécies de animais seriam caçadas e quais espécies de vegetais seriam colhidas no meio selvagem.

Ou seja, não existe uma cadeia alimentar determinada exclusivamente pela Natureza não humana, diante da qual só restaria ao ser humano acatar e consumir aquilo que ela impusesse.

Aliás, uma das grandes razões da evolução humana ao longo dessas centenas de milênios é a versatilidade alimentar, o poder de escolher quem (animais) e o que (vegetais) comer, como maneira de lidar com alterações no ambiente local, como aquelas de ordem climática, ou com as novas necessidades trazidas pela migração.

Portanto, aquela refeição cheia de carne na sua mesa não foi escolhida e ditada para você pela Mãe Natureza, mas sim determinada por seres humanos.

E quem são esses humanos?

Os verdadeiros senhores das cadeias alimentares humanas

A publicidade de fast-food é um dos grandes fomentadores das cadeias alimentares humanas que envolvem consumo de carne

Nas sociedades de hoje, quem escolhe o que os seres humanos vão comer é toda uma categoria de pessoas com poder de ditar os costumes culturais. São:

  • Os empresários e publicitários da agropecuária, do setor pesqueiro e da indústria alimentícia;
  • Os sacerdotes e altos-sacerdotes que interpretam as tradições ou escrituras religiosas de cada cultura;
  • Os políticos que criam, aprovam e sancionam leis que proíbem ou regulamentam o consumo de determinados alimentos;
  • Sua família, que ditava para você na infância o que deveria comer e o que não poderia;
  • E o mais impressionante: você mesmo, caso seja adolescente ou adulto e tenha a devida consciência de que alguns alimentos são mais nocivos para você e outros seres sencientes (humanos e não humanos) do que outros.

E não é só isso. Os produtores de alimentos (fazendeiros, agricultores, pecuaristas, altos funcionários da indústria alimentícia etc.) determinam todos os detalhes de cada cadeia alimentar da qual os seres humanos participam: por exemplo, quais são as espécies dos produtores, consumidores primários e consumidores secundários; se os produtores e consumidores receberão algum fertilizante (produtores) ou suplemento nutricional (consumidores) e quem comerá cada alimento (crianças, adolescentes e adultos adeptos de determinados estilos de vida).

Mas há uma boa notícia no meio disso tudo: você não é obrigado a aderir a nenhuma cadeia alimentar específica. No contexto atual de expansão do veganismo, está sendo apresentada a você a possibilidade de optar por se desligar das centenas de cadeias alimentares que envolvem pecuária, pesca, caça e outras formas de exploração animal para consumo e aderir a uma diversidade de milhares de outras cadeias, nas quais você é o consumidor primário e, assim, obtém toda a energia diretamente das plantas.

Mas não somos o topo das nossas cadeias alimentares?

O antivegano que se acha o “rei leão” da “cadeia alimentar carnívora” é basicamente um gatinho que se vê como um poderoso leão no espelho

Como foi dito anteriormente, é mais realístico descrever a cadeia alimentar como um ciclo, não uma hierarquia com início nas plantas produtoras e fim nos animais consumidores terciários. Afinal, por mais “majestoso” que o consumidor terciário seja, seu corpo será devorado após a morte pelos decompositores, e estes estarão ajudando a nutrir as plantas, assim reiniciando o ciclo.

E quanto a nós humanos? Somos ou não o último elemento das nossas cadeias alimentares antes dos decompositores? Somos, afinal de contas, majestosos consumidores terciários que têm o direito de dominar a Natureza?

A resposta da primeira pergunta é que somos sim esse último elemento. Afinal, dentro das cidades ou dos cercados rurais não seremos devorados por nenhum predador carnívoro. Há uma probabilidade quase certa de que nossos corpos serão devorados apenas por decompositores no túmulo do cemitério, ou desintegrados mediante cremação.

Já a da segunda é que não somos esses “majestosos carnívoros” do imaginário de quem come carne se achando o imponente Rei Leão. Aqueles de nós que comem animais criados na pecuária (consumidores primários) são consumidores secundários. E aqueles que só consomem plantas (produtores) e opcionalmente fungos (decompositores) são consumidores primários. Só são consumidores terciários aqueles que vivem da caça e/ou pesca de animais que comem outros animais.

Além de, em nossa grande maioria, não sermos consumidores terciários, nada nas cadeias alimentares às quais pertencemos indica que temos o direito natural de comer animais.

Isso se dá porque a Natureza como um todo não atribui direitos e deveres a ninguém, ao contrário das sociedades humanas. É a própria humanidade que controla os direitos e deveres de seus membros, por meio das leis.

Nesse contexto, se os humanos têm o direito de comer outros animais, é porque outros seres humanos — os legisladores — lhes deram esse direito. Não é algo que vem da Natureza não humana.

Ou seja, você não come carne porque é “o topo da cadeia alimentar”. Mas sim porque sua cultura — incluindo as forças capitalistas que a influenciam — dita que você coma sem questionar.

Considerações finais

Imagem: Fabio Chaves/Seja Vegano/Vista-se.

Nós estamos numa posição confundível com o “topo da cadeia alimentar” porque não temos predadores naturais. Mas a ausência de predadores não nos dá nenhum direito natural de comer carne — quem faz isso é a cultura.

E a boa notícia nisso tudo é que nada disso é imposto de maneira que você não possa se recusar a acatar. Com a ascensão do veganismo e do vegetarianismo, hoje é mais possível do que nunca você optar por abandonar os alimentos de origem animal. Razões éticas, ambientais, humanitárias e de saúde para essa mudança de hábito alimentar não faltam.

Então desencane: você não é nenhum “rei da selva” por comer a carne que os pecuaristas, os pescadores e a indústria alimentícia querem que você coma. A Natureza não lhe deu esse título. Essa crença de que você é “superior” aos demais animais por ter o direito legal de comer parte deles não passa de um detalhe da cultura humana à qual você pertence.

Não sendo nenhum majestoso carnívoro obrigado pela Natureza a comer carne, você tem o poder de escolher abandonar o consumo desse e de outros produtos animais, que fazem mal para você, para os animais não humanos, para outros seres humanos e para o meio ambiente.

Publicado por Robson Fernando De Souza Autor dos blogs Consciencia.blog.br e Veganagente e do livro Veganismo: as muitas razões para uma vida mais ética. Formado em Licenciatura em Ciências Sociais (UFPE, 2016) e Tecnologia em Gestão Ambiental (IFPE, 2008). Adora Sociologia, meio ambiente, Direitos Animais & Veganismo e autoajuda.

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